"Porco da China": entre a sinofobia e o progressismo liberal.

Jacobinistas
4 min readOct 6, 2020

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Você chegou a ver o recente vídeo do Greg News "Porco da China"? Afora anticomunismos, teoria da ferradura e algumas doses de sinofobia, G. Duvivier argumenta que o Brasil vem aprofundando a sua dependência em relação à China. Para isso usa o exemplo da exportação em larga escala de soja para esse país.

À luz da TMD (Teoria Marxista da Dependência), seria possível dizer que o Brasil é um país "dependente" da China hoje?

Da forma como eu compreendo da TMD, a "dependência" do Brasil e América Latina está ligada principalmente à relação de subordinação da nossa região aos países de capitalismo central, EUA e Europa, não sendo possível hoje entender a China como um país de "capitalismo central", mas sim como um país não alinhado, que superou a sua situação de dependência colonial.

Do mesmo modo, entendo que não é possível dizer que a China hoje é um país imperialista, ainda, o que afastaria também a tese de dependência, haja vista que essa é uma categoria ligada diretamente à categoria do imperialismo (países dependentes de um lado e imperialistas do outro). Nesse aspecto, é importante destacar que a China não tem histórico de interferência na soberania de outros países, fomentando golpes por exemplo ou por meio de invasões militares.

Ademais, o governo chinês empresta divisas a outros países em condições bastante favoráveis, sem requisitar em troca ajustes fiscais ou alterações da sua política macroeconômica, ao contrário de que fazem os países de capitalismo central ou suas agências financeiras como o FMI.

Além disso, compreendo que a nossa "dependência", além da questão econômica, está ligada à subordinação cultural, militar, diplomática e política à Europa e, principalmente, aos EUA, o que afastaria então a tese de "dependência" do Brasil da China, uma vez que não somos subordinados militar, diplomática e politicamente à esse país.

Em relação à subordinação econômica, me parece que ela vem se aprofundando nos últimos anos, mas não tenho certeza se já se pode concluir que ela já está configurada plenamente.

É fato que economicamente, temos em nosso território empresas chinesas, em especial no setor do petróleo e compramos dela diversos produtos industrializados, porém, a nossa balança comercial é superavitária. Situação oposta é a nossa relação comercial com os EUA e dos principais países da Europa, na qual nossa balança econômica é deficitária, caracterizando assim uma remessa evidente de riqueza para o exterior.

Além disso, nossa relação econômica com a China, em contraponto a nossa relação econômica com os países do capitalismo central, não foi imposta por ela, militar ou politicamente, mas sim decorre dos interesses imediatos da uma burguesia latifundiária nacional e internacional.

Em verdade, o fator que mais influenciou a reprimarização da nossa economia foi a imposição pelos países de capitalismo central da política neoliberal de livre mercado, com a abertura de nossa economia para os produtos estrangeiros e o consequente esfacelamento do nosso parque industrial.

Apesar de o episódio sob comento conter verdades importantes, especialmente no que toca aos prejuízos ambientais e sociais decorrente de uma economia cada vez mais dependente do agronegócio, o progressismo liberal bem intencionado de G. Duviver deseduca politicamente a sua audiência. Ao contrário do que ele quer demonstrar, em consonância com o senso comum direitista sinofóbico cada vez mais crescente, a maior ameaça hoje à nossa soberania não é a China.

Afinal, como ele próprio revela, quem mais lucra hoje com a exportação de soja não são as corporações estadunidenses, seja com a propriedade direta em terras brasileiras, seja com as patentes de grãos geneticamente modificados e agrotóxicos? Não são as corporações desse mesmo país que almejam comprar a preço de banana o Banco do Brasil, os Correios e a Embraer? Não é esse mesmo país que recentemente grampeou a presidenta Dilma e interferiu diretamente no processo da Lava Jato que culminou com o golpe de 2016? Não é o bom e velho Tio Sam que montou com extrema facilidade uma base militar no Maranhão e dita a forma como deve ser a nossa política macroeconômica?

Por fim, devo destacar aqui, que em que pese as comparações feitas por G. Duvivier entre Mao e Bolsonaro (revolução cultural de um lado e "revolução monocultural" do outro), em um intuito claramente depreciativo de ambos, a política econômica e social chinesa, invejada pelo próprio apresentador, só foi possível graças ao grande líder revolucionário, que, em conjunto com milhares de outros militantes fizeram uma gloriosa revolução comunista anticolonial, libertando a China de uma era de humilhações.

Marat du Bois

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Uma análise de filmes, livros e música amargem sinistra da Assembleia Nacional. Tido por “sem-cuecas”. Mantido por quatro sujeitos para além de esquerdistas.